Le sei poesie proposte in lingua portoghese sono tratte dal libro: Game Over, di Manuel de Freitas, Alambique Editora
Le traduzioni sono di Roberto Maggiani
DEPOIS DO FIM
Depois do fim, acumulam-se
os estilhaços e visitam-se
as moradas do costume.
Acendem-se cigarros, em jeito
e desporto, e talvez tudo
isto seja ainda a morte.
Não se contam estórias,
improváveis estórias, sobre
a noite que saqueia os corpos,
restituindo-os à memória
do nada. Empilham-se os dias,
com um terror leve e brando,
com a certeza de que não
voltarão, paciência.
A voz de ninguém há-de atenuar
esse grito – gestos de fuga
e riso que por descuido apenas
deixamos que existam. Encostados
nulos à parede dos minutos,
à espera de quem prometeu não vir
(com que rosto inábil, venha o diabo
e diga). Não vale a pena o esforço,
a inspiração da mágoa sob
os pulmões desatentos:
depois do fim é ainda o princípio.
CAMÕES BURGER
É conforme. Já lá vão mais de
quatrocentos anos de tal “conversa
fiada” que poucas penélopes encontrou.
Para alguns, doutos e moralíssimos,
o comércio com as musas não era compatível
com fodas de foder bem dadas, em redondilhas
um pouco maiores do que eles, os necrófagos de serviço.
Os tempos mudaram, claro (e as vontades foram
encontrando novos alvos), mas a comédia dos ossos
veio para ficar, incerta, numa praia
insigne de enganos e misérias.
Agora, num intervalo cibernáutico medido
pela ignorância pública, lembram-se
d’O Poeta e de uns versos que a memória canta,
propícios às presidências que tão mal presidem.
São gajos novos, ou nem tanto assim,
místicos do “progresso” em que seus redondos
cus assentam, isto é, sobre um povo analfabeto e tudo
que ainda não lê nem sonha a pátria que foi, apenas, pretexto.
Porque um homem, por menos que valha,
valerá sempre mais do que esse conluio
de gestos sem alma dentro. A pátria,
meus senhores a pátria, foi esse ocidental
falo lusitano que gostava como Pessoa
de vinhos e de ironia fera. O resto foi cuspir,
cuspir raro na inércia e no inconclusivo ardor
com que um país em saldo se cumpre.
NOVEMBRO
Novembro é este calor nos ossos,
insuportável para um corpo antigo
que escolheu no mediterrâneo errado
uma forma aberta de morrer.
E usas adjectivos, pois usas,
nada de tão grave assim, nada
que não sirva para um poema
reescrito até à asfixia, à náusea,
para dizer afinal tão-só
que houve uma deslocação
de ar, repentina, e que
o que poderia ter sido teu não foi
pois também o verbo ter está errado.
Ao fundo da rua, ao fim,
não há um bandoneón a chorar
por ti. Apenas poeira, sol
e o reclamo de um novo soutien
para aqueles que hão-de amar,
mais tarde, e morrer ou disso
ou doutra coisa qualquer
– até ao último dia.
DEZEMBRO
O Inverno este ano chegou mais tarde,
mas de pouco te serve dizê-lo
quando o espelho apenas devolve – se
devolve – o escombro dos teus gestos.
Houve uma lamina de luz (sarà?)
que se encostou a rins excessivamente doceis
e já não viu no amor um grito inoportuno.
Talvez nem chova, quem sabe? o próprio
tempo é uma maleita a mais neste planeta
de homens seguros e inconsequentes
onde, na verdade, nunca gostaste de estar.
Por isso não te queixes, deixa
alguns lamentos para os que hão-de vir
(se vierem), rasgando o chumbo dos dias
com novos estimulantes e teoremas contra
a morte que talvez venha a ser vencida,
muito para além de Saturno.
O futuro é dos outros, como tudo, e seria lastimoso
que viessem dar contigo numa antologia chata,
dessas de encomenda e tudo. O que disseste
foi para ser dito, não para ser lembrado. E a eternidade
tem nomes que cheguem para várias gerações
que talvez achem, com a razão la delas, uma perda
de tempo os versos e a literatura uma coisa vil
como comer carne ou sexo. A posteridade
foi talvez a única puta com quem não desejaste estar,
até porque já cá não estarás então – e a lógica,
para estas coisas, ainda vai servindo, reduzas
ou não ao absurdo os gestos com que foste pó movível.
SESSENTA QUILOS DE PAIXÃO
Comecei a escrever um poema sobre ti,
mas esquecei-me do teu rosto
e do modo como o trazes
à altura excessiva do chão. Regressei então
aos meus mais comuns lugares
e falei (como falo sempre)
da morte que pratico sem razão à vista.
Por este andar, não volto a encontrar
o meu sonoro estilo adolescente,
tão despido de certezas como de comércios
literários – e torna-se-me difícil
escrever um poema de amor
apenas com os restos de quem fui
e com o pouco que desse amor não tive.
Hei-de voltar a ver-te, quem sabe?,
traficando a imperícia sob o cronometro
dos meus ombros – e saberei então
que os eléctricos que se perdem
conduzem invariavelmente a um poema alheio
e que por isso, embora sem ser por isso,
o nosso desencontro é uma estória
inútil entre aspas de betão.
TRANSPORTES PUBLICO & ANGÚSTIAS PRIVADAS
Não trazias um retrós,
mas antes uma camisa negra, enfunada,
e a velha carreira de eléctricos
(que eu cheguei a conhecer)
foi substituída por um autocarro
que rescende a pessoas em geral inócuas.
Que fazer do Bernardo, agora?
Não pude pensar nisso em que penso tanto,
por vontade técnica de sofrer:
os gestos por detrás do mínimo objecto,
os corredores de angústia inerentes
à feitura da caneta, à tipografia,
ao empregado de balcão que há-de vender ou não
um livro parecido com tantos outros,
onde poemas como este terão de responder
a um código de barras que é especificamente aquele
e que adormecerá pelos séculos quase inconfundido.
Os teus olhos proibiam-me estas circunvoluções estéreis.
Ao contrário do ajudante de guarda-livros, mais feliz
portanto, o desejo invade-me para logo me abandonar
e o “amor”, enfim, não tem sido mais
do que uma vontade de morte delegada noutro corpo.
Que tem isto a ver com o retrós?
Quase nada, nem Lisboa é ainda a mesma.
Sai na paragem certa. O resto podes ler nos jornais.
Traduzioni di Roberto Maggiani
DOPO LA FINE
Dopo la fine, si raccolgono
i frammenti e si visitano
i soliti indirizzi.
Le sigarette si accendono, con stile
e svago, e forse tutto
questo sarà anche la morte.
Non si raccontano storie,
improbabili storie, sulla
notte che saccheggia i corpi,
restituendoli alla memoria
del nulla. Si ammucchiano i giorni,
con un terrore leggero e mite,
con la certezza che non
torneranno, pazienza.
Nessuna voce dovrebbe attenuare
tale grido – gesti di fuga
e risate che solo per sbaglio
diciamo che esistano. Appoggiati
inesistenti alla parete dei minuti,
in attesa di chi ha promesso di non venire
(con quella faccia imbarazzante, venga il diavolo
e dica). Non vale la pena lo sforzo,
l’inspirazione del dispiacere dentro
i polmoni disattenti:
dopo la fine c’è ancora l’inizio.
CAMÕES BURGER
È conforme. Sono passati più di
quattrocento anni di tali “parole
inutili” da fargli trovare solo poche penelopi.
Per alcuni, dotti e moralissimi,
il commercio con le Muse non era compatibile
con una cazzo di bella scopata, in versi
un po’ più importanti dei loro, i necrofagi di servizio.
I tempi sono cambiati, chiaro (e le volontà hanno
trovato nuovi obiettivi), ma la commedia delle ossa
destinata a durare, incerta, su una spiaggia
insigne di inganni e miserie.
Ora, in un intervallo cibernautico misurato
per l’ignoranza pubblica, si ricordano
del Poeta e di versi che la memoria canta,
propizi alle presidenze che così male presiedono.
Sono nuovi tizi, o nemmeno così tanto,
mistici del “progresso” su cui i loro tondi
culi si appoggiano, ossia, sopra un popolo analfabeta e tutto
quello che ancora non legge né sogna la patria che fu, solo, pretesto.
Perché un uomo, per meno che valga,
varrà sempre più di questa collusione
di gesti senza anima interiore. La patria,
miei signori la patria, è stata questo occidentale
parlare lusitano che sapeva come Pessoa
di vini e d’ironia ferina. Il resto era sputo,
sputo raro sull’inerzia e sull’ardore inconcludente
con cui un paese in saldo si compra.
NOVEMBRE
Novembre è questo calore nelle ossa,
insopportabile per un vecchio corpo
che ha scelto nel Mediterraneo sbagliato
un modo aperto di morire.
E usi aggettivi, perché usi,
niente di così serio, niente
che non rientri in una poesia
riscritta fino all’asfissia, alla nausea,
per dire alla fine solo così
che c’è stato uno spostamento
d’aria, improvviso, e che
quello che avrebbe potuto essere tuo non è stato
perché il verbo avere è sbagliato.
Alla fine della strada, alla fine,
non c’è un bandoneon a piangere
per te. Solo polvere, sole
e la pretesa di un nuovo reggiseno
per coloro che dovranno amare,
più tardi, e morire o di questo
o di qualsiasi altra cosa
– fino all’ultimo giorno.
DICEMBRE
L’inverno quest’anno è arrivato più tardi,
ma è inutile dirtelo
quando lo specchio restituisce solo – se
restituisce – i frammenti dei tuoi gesti.
C’era una lama di luce (vero?)
che si poggiava su reni troppo docili
e non ha più visto nell’amore un grido inopportuno.
Forse non piove, chi lo sa? il proprio
tempo è una malattia in più su questo pianeta
di uomini sicuri e insignificanti
dove, in verità, non ti è mai piaciuto stare.
Quindi non lamentarti, lascia
alcuni lamenti a coloro che verranno
(se verranno), strappando la pesante proposta dei giorni
con nuovi stimoli e teoremi contro
la morte che forse può essere vinta,
ben oltre di Saturno.
Il futuro è degli altri, come tutto il resto, e sarebbe patetico
che venissero a trovarti in un’antologia noiosa,
queste su ordinazione eccetera. Quello che hai detto
doveva essere detto, non per essere ricordato. E l’eternità
ha nomi, che arrivino a molte generazioni
che forse credano, con la loro ragione, una perdita
di tempo i versi e la letteratura una cosa vile
come mangiare carne o fare sesso. I posteri
sono stati forse l’unica puttana con cui non hai desiderato stare,
anche perché allora qui non ci sarai più – e la logica,
per queste cose, ancora serve, riduca
o no all’assurdo i gesti con cui sei stato polvere rimovibile.
SESSANTA CHILI DI PASSIONE
Ho iniziato a scrivere un poema su di te,
ma ho dimenticato la tua faccia
e il modo in cui la porti
a un’altezza eccessiva da terra. Sono tornato allora
ai miei luoghi più comuni
e ho parlato (come dico sempre)
della morte che pratico senza ragione evidente.
Su questo percorso, non riesco a trovare
il mio sonoro stile adolescente,
così privo di certezze come di commerci
letterari – e diventa difficile per me
scrivere un poema d’amore
solo con i resti di chi ero
e con il poco di quell’amore che non ho avuto.
Ci rivedremo, chi lo sa?,
trafficando l’imperizia sotto il cronometro
delle mie spalle – e saprò allora
che i tram che si perdono
invariabilmente conducono a un poema estraneo
e che per questo, sebbene senza esserlo,
il nostro disaccordo è una storia
inutile tra parentesi di cemento.
TRASPORTI PUBBLICI E ANGUSTIE PRIVATE
Non hai portato un fil di seta,
ma piuttosto una camicia nera, grossolana,
e la vecchia linea elettrica dei tram
(sono venuto a sapere)
è stata sostituita da un autobus
che fa scendere persone generalmente sicure.
Cosa fare del Bernardo, adesso?
Non potevo pensare a ciò a cui penso così tanto,
per la volontà tecnica di soffrire:
i gesti dietro al più piccolo oggetto,
i corridoi dell’angoscia inerenti
alla realizzazione della penna, alla tipografia,
all’impiegato al bancone che deve vendere o meno
un libro simile a molti altri,
dove poesie come questa dovranno rispondere
a un codice a barre che è specificamente quello
e che dormirà nei secoli pressoché confuso.
I tuoi occhi mi proibivano queste circonvoluzioni sterili.
Al contrario dell’aiutante del libraio, più felice
quindi, il desiderio m’invade per poi abbandonarmi
e l’”amore”, infine, non è stato più
di una volontà di morte delegata a un altro corpo.
Cosa c’entra questo con il fil di seta?
Quasi nulla, né Lisbona è ancora la stessa.
Sono sceso alla fermata giusta. Il resto lo puoi leggere sui giornali.