Pubblicato il 29/09/2013 02:50:17
"Ah! plangentes violões dormentes, mornos, Soluços ao luar, choros ao vento... Tristes perfis, os mais vagos contornos, Bocas murmurejantes de lamento.
Noites de além, remotas, que eu recordo, Noites da solidão, noites remotas Que nos azuis da Fantasia bordo, Vou constelando de visões ignotas.
Sutis palpitações a luz da lua, Anseio dos momentos mais saudosos, Quando lá choram na deserta rua As cordas vivas dos violões chorosos.
Quando os sons dos violões vão soluçando, Quando os sons dos violões nas cordas gemem, E vão dilacerando e deliciando, Rasgando as almas que nas sombras tremem.
Harmonias que pungem, que laceram, Dedos Nervosos e ágeis que percorrem Cordas e um mundo de dolências geram, Gemidos, prantos, que no espaço morrem...
E sons soturnos, suspiradas magoas, Mágoas amargas e melancolias, No sussurro monótono das águas, Noturnamente, entre ramagens frias.
Vozes veladas, veludosas vozes, Volúpias dos violões, vozes veladas, Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
Tudo nas cordas dos violões ecoa E vibra e se contorce no ar, convulso... Tudo na noite, tudo clama e voa Sob a febril agitação de um pulso.
Que esses violões nevoentos e tristonhos São ilhas de degredo atroz, funéreo, Para onde vão, fatigadas do sonho Almas que se abismaram no mistério.
Sons perdidos, nostálgicos, secretos, Finas, diluídas, vaporosas brumas, Longo desolamento dos inquietos Navios a vagar a flor de espumas.
Oh! languidez, languidez infinita, Nebulosas de sons e de queixumes, Vibrado coração de ânsia esquisita E de gritos felinos de ciúmes!
Que encantos acres nos vadios rotos Quando em toscos violões, por lentas horas, Vibram, com a graça virgem dos garotos, Um concerto de lágrimas sonoras!
Quando uma voz, em trêmolos, incerta, Palpitando no espaço, ondula, ondeia, E o canto sobe para a flor deserta Soturna e singular da lua cheia.
Quando as estrelas mágicas florescem, E no silêncio astral da Imensidade Por lagos encantados adormecem As pálidas ninféias da Saudade!
Como me embala toda essa pungência, Essas lacerações como me embalam, Como abrem asas brancas de clemência As harmonias dos Violões que falam!
Que graça ideal, amargamente triste, Nos lânguidos bordões plangendo passa... Quanta melancolia de anjo existe Nas visões melodiosas dessa graça.
Que céu, que inferno, que profundo inferno, Que ouros, que azuis, que lágrimas, que risos, Quanto magoado sentimento eterno Nesses ritmos trêmulos e indecisos...
Que anelos sexuais de monjas belas Nas ciliciadas carnes tentadoras, Vagando no recôndito das celas, Por entre as ânsias dilaceradoras...
Quanta plebéia castidade obscura Vegetando e morrendo sobre a lama, Proliferando sobre a lama impura, Como em perpétuos turbilhões de chama.
Que procissão sinistra de caveiras, De espectros, pelas sombras mortas, mudas. Que montanhas de dor, que cordilheiras De agonias aspérrimas e agudas.
Véus neblinosos, longos véus de viúvas Enclausuradas nos ferais desterros Errando aos sóis, aos vendavais e às chuvas, Sob abóbadas lúgubres de enterros;
Velhinhas quedas e velhinhos quedos Cegas, cegos, velhinhas e velhinhos Sepulcros vivos de senis segredos, Eternamente a caminhar sozinhos;
E na expressão de quem se vai sorrindo, Com as mãos bem juntas e com os pés bem juntos E um lenço preto o queixo comprimindo, Passam todos os lívidos defuntos...
E como que há histéricos espasmos na mão que esses violões agita, largos... E o som sombrio é feito de sarcasmos E de Sonambulismos e letargos.
Fantasmas de galés de anos profundos Na prisão celular atormentados, Sentindo nos violões os velhos mundos Da lembrança fiel de áureos passados;
Meigos perfis de tísicos dolentes Que eu vi dentre os vilões errar gemendo, Prostituídos de outrora, nas serpentes Dos vícios infernais desfalecendo;
Tipos intonsos, esgrouviados, tortos, Das luas tardas sob o beijo níveo, Para os enterros dos seus sonhos mortos Nas queixas dos violões buscando alivio;
Corpos frágeis, quebrados, doloridos, Frouxos, dormentes, adormidos, langues Na degenerescência dos vencidos De toda a geração, todos os sangues;
Marinheiros que o mar tornou mais fortes, Como que feitos de um poder extremo Para vencer a convulsão das mortes, Dos temporais o temporal supremo;
Veteranos de todas as campanhas, Enrugados por fundas cicatrizes, Procuram nos violões horas estranhas, Vagos aromas, cândidos, felizes.
Ébrios antigos, vagabundos velhos, Torvos despojos da miséria humana, Têm nos violões secretos Evangelhos, Toda a Bíblia fatal da dor insana.
Enxovalhados, tábidos palhaços De carapuças, máscaras e gestos Lentos e lassos, lúbricos, devassos, Lembrando a florescência dos incestos;
Todas as ironias suspirantes Que ondulam no ridículo das vidas, Caricaturas tétricas e errantes Dos malditos, dos réus, dos suicidas;
Toda essa labiríntica nevrose Das virgens nos românticos enleios; Os ocasos do Amor, toda a clorose Que ocultamente lhes lacera os seios;
Toda a mórbida música plebéia De requebros de faunos e ondas lascivas; A langue, mole e morna melopéia Das valsas alanceadas, convulsivas;
Tudo isso, num grotesco desconforme, Em ais de dor, em contorsões de açoites, Revive nos violões, acorda e dorme Através do luar das meias noites!"
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